14.7.10

 

Alfabetos & Omegabetos
Sergio Pinheiro Lopes


Este não é um mundo para poetas.

Este nunca foi um mundo para poetas.

Por isso morrem jovens,

Devorados pelas luzes

Artificiais das noites,

Pelas insensibilidades

Que matam, expostas nas

Vitrines,

Nas sarjetas,

E brilham mercuriais

Sobre os cadáveres.

Insepultos corpos andando sem rumo,

Pelas ruas,

Pelas nossas retinas.

Nus e despidos

De toda animalidade,

Apenas animais.

Ainda assim escutam

O que querem escutar,

E se iludem,

Como ilusão é tudo em que se

Crê,

Sem para quê…

Ainda assim…

Não é lugar para poetas,

Este,

Inumano para humanos,

Seus corações ensolarados

Devastados em meio ao inverno escuro e frio

Desta vida, mudados pelas porradas,

E ainda assim sem conseguir mudar,

Poetas...

Mortos pelas mordidas

Ardidas

De suas vidas, e

Ninguém lê os grafittis

Gritando do alto dos

Prédios,

Novos alfabetos

Da informação ininterrupta

Para os

Que sabem ler e os que não sabem,

E nao digam que não avisaram,

Poetas despencam das Alturas e

Suas mortes esborrachadas

Nos anestesiam todos os dias

Entre nós

Vesgos, cegos e surdos,

No asfalto negro das

Mídias.

Enquanto isso os gatos

Envenenados e os

Cães abandonados

Vagam pelas ruas

Como sempre,

Como se nada estivesse

Acontecendo e,

Vai ver,

Nada está.

E vai que sempre foi assim e

Vai que sempre será….

Perguntem às paredes,

Falo sério,

perguntem às paredes

Que lhes muram os

Corações e,

Se ainda lembrarem como,

Chorem o choro

De suas internas crianças eternas,

Jazendo insepultas para todo o sempre.

E salgue-se a terra

Para que aqui

Nada mais cresça e

Poupe-se o mundo

De seus inúteis,

descartáveis poetas.


4.7.10

 

Roberto Piva
1937-2010






Paranóia
(1963)

Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
onde anjos surdos percorrem as madrugadas tingindo seus olhos com
lágrimas invulneráveis
onde crianças católicas oferecem limões para pequenos paquidermes
que saem escondidos das tocas
onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
estéreis e incendeiam internatos
onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
a descarga sobre o mundo
onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
no seu hálito
onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
última janela
onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
branco
onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
escurecendo a página
onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorróidas das
beatas
onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
penas
onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
imaginação

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