30.8.11

 

Eyes Missing
Lawrence Block
Donna Campion*



Bathe her in milk, let the white stream run

Pure in its bovine baptism,
Heal the least schism
Under the soonest sun. Take her
Hand, tell her it doesn't matter,
Milk's not to cry over. Scatter
Seed from a silver gun. Break her
Bones in a mortar, shatter
Wine bottles at her feet, let green glass
Sparkle upon her hand. Let it be done.
Let the milk run.
Let it flow down, down to the ancient grass.


(*Fiction character)

 

Carta
Sergio Pinheiro Lopes



Caro S.,

Gostoso receber uma carta sua. Longa como as cartas costumavam ser.
Lembro de trocar cartas com o C., quando estava na Inglaterra e ele ficou no meu apartamento da Alves tomando conta.
Ele assinava Leo Nufas e chegou até a me 'apresentar' um sujeito que morava em Swiss Cottage e que seria um bom contato. Fui de Whaddon, Herts., perto de Cambridge, onde morava, até a tal da estação em Londres para tanto. Deu tudo certo.
Havia troca de cartas com meu pai, minha mãe, meu irmão e outros.
Bons tempos. Ainda tenho na estante minha primeira máquina de escrever, uma Remington portátil, dada pelo meu pai quando eu tinha quatorze anos. Por conta dela nunca fui bom de caligrafia.
Escrevia tudo a máquina. Tenho duas pastas verdes e gordas com tudo o que escrevi na adolescência.
Ano passado, reli tudo na esperança vã de achar algo que prestasse.
Nada, nem uma linhazinha que fosse. Tudo muito ruim.
Usava uma fita de cor verde. Lembro de passar horas escrevendo adolescências semi-épicas.
Sempre fui sentimental, sempre gostei de andar na chuva, sempre fui até a esquina e acordei na Espanha.
Eu raramente leio ficção hoje em dia, idos são meus dias de Sci-Fi.
Fico com história, e nesses útimos meses, estou indo de biologia e arqueologia como as ciências que descobrem porque sociedades passadas falharam e foram extintas, como a nossa corre grande risco de sê-lo. O petróleo deve acabar entre 2020 e 2040 e, com ele, nossa civilização.
Dá até para achar que, muito provavelmente, foi bom negócio fumar durante 42 anos, não estarei aqui para ver e viver a débâcle.
Talvez a humanidade saia do outro lado, depois da violência e da mortandade, mas não gostaria de passar por isso.
Como sei que, estivesse eu em Dachau ou um destes, na II Guerra, teria me jogado na cerca elétrica.
O que é necessário fazer para sobreviver situações extremas, me tornaria um ser humano irreconhecível para mim mesmo.
Prefiro ir-me a virar um Pasqualino Sete Belezas.
Mas enquanto isso não acontece, vou de valsa nesse baile da Ilha Fiscal. Com meu gato, meus livros e meus banhos de chuva.
E eventualmente acordando na Espanha.

Maestro S., mis respetos; y a vosotros, santitos de mierda,
Olé!

Besos,

Sergio

28.8.11

 

Oito Minutos de História e Poesia
Nabucco
Verdi
Riccardo Muti






Em março de 1842, na noite de estreia da ópera "Nabucco", de Giuseppe Verdi, a plateia do Scala de Milão transformou os aplausos ao "Coro dos Escravos" numa manifestação política pelo ressurgimento da Itália, parcialmente ocupada pelos austríacos. Nos meses seguintes as paredes das cidades apareciam pichadas com "Viva Verdi". Elas queriam dizer "Viva Vittorio Emanuele Re d'Italia". Do glorioso momento do Scala restaram memória e melodia.
Passados 150 anos, a cena repetiu-se, mas desta vez foi gravada e está na rede. Depois de reger o coro do terceiro ato na Ópera de Roma, o maestro Riccardo Muti respondeu aos aplausos com um breve discurso contra os cortes orçamentários de programas culturais, bisou a peça e pediu à plateia que o acompanhasse. Da torrinha, atiravam-se pedaços de papel. São oito minutos de poesia e história capazes de alegrar qualquer domingo, sobretudo sabendo-se que o primeiro-ministro Silvio Berlusconi estava no teatro.
O coro dos escravos hebreus é o lamento de um povo que chora pela "pátria minha, tão bela e perdida". Quando o bis de Muti terminou, enxugavam-se lágrimas no palco e na plateia.
(Elio Gaspari)

27.8.11

 

If It Be Your Will
Leonard Cohen






If it be Your will
That I speak no more
And my voice be still
As it was before
I will speak no more
I shall abide until
I am spoken for
If it be Your will

If it be Your will
That a voice be true
From this broken hill
I will sing to You
From this broken hill
All Your praises they shall ring
If it be Your will
To let me sing

From this broken hill
All Your praises they shall ring
If it be Your will
To let me sing

If it be Your will
If there is a choice
Let the rivers fill
Let the hills rejoice
Let Your mercy spill
On all these burning hearts in hell
If it be Your will
To make us well

And draw us near
And bind us tight
All Your children here
In their rags of light
In our rags of light
All dressed to kill
And end this night
If it be Your will

If it be Your will

26.8.11

 

The Song at the End of the Movie
Joan Baez






This is the song at the end of the movie
When the house lights go on
The people go home
The plot's been resolved
It's all over

This is the day after the last sad goodbye
That took so long
My true love is gone
He's left me alone
We're all over

I am the girl with her face in her hands
crying love forsaken
I'm left badly shaken

This is the letter he left on the stairwell
That seemed so unreal
With words that could kill
I'll send you the bill
when it's over

This is the song at the end of the movie
When the house lights go on
The people go home
The plot's been resolved
It's all over
All over

 

Ai daqueles
Paulo Leminski




ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga

ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa


25.8.11

 

Laerte






 

Além Alma
Paulo Leminski




Meu coração lá de longe
faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.
Pra que me serve um negócio
que não cessa de bater?
Mais me parece um relógio
que acaba de enlouquecer.
Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá fora
cai macio dentro de mim?


23.8.11

 

Laerte






 

Pergunte ao Pó
Paulo Leminski




cresce a vida
cresce o tempo
cresce tudo
e vira sempre
esse momento

cresce o ponto
bem no meio
do amor seu centro
assim como
o que a gente sente
e não diz
cresce dentro


20.8.11

 

O Rubaiyat
Omar Khayyam


Os Dedos em movimento escrevem, e tendo escrito

Vão adiante; e nem toda tua piedade ou inteligência
Podem chamá-los de volta para cancelar meia linha sequer,
Tampouco tuas lágrimas podem lavar uma só palavra.


19.8.11

 

O Piano
Aidan Gibbons





 

Laerte






 

Soneto
Johann Gottlieb Fichte



O que empresta ao meu olhar esse vigor,

Que todos os senões lhe parecem pequenos


E as noites se transformam em sóis serenos,


Em vida a negação, em solidez o tremor?



O que, a confusa teia do tempo a transpor,

Conduz-me certeiro às fontes perenes


Do belo, do vero, de bondades e acenos,


E lá afunda, e aniquila, do meu empenho a dor?



Já sei. Desde que, no olho de Urânia, acesa

Em quietude, pude eu mesmo interiormente


A clara, fina, pura flama azul observar;



Desde então, tal visão me habita em profundeza


E
é no meu ser - eterna, unicamente;

Vive
no meu viver, olha no meu olhar.


18.8.11

 

Cinema em Nova York
Edward Hopper
1939






 

Sua Elegância Matinal
Oren Lavie Yuval &
Merav Nathan





17.8.11

 

O Chapéu de Andrew Wyeth
Alfred Eisenstaedt
1965






 

Tema
Manel



Um tema que nos defina em três acordes:
Um que nos explique à posteridade.
Um que conscientemente siga até um ponto e se acabe.
Um que pareça impossível que possa acabar.


 

A Cidade
Constantin Cavafy
Tradução:
Sergio Pinheiro Lopes


Você diz a si mesmo: vou-me embora

Para alguma outra terra, algum outro mar,

Para uma cidade muito mais adorável que esta

Jamais poderia ter sido ou esperado ser –

Onde cada passo agora aperta o laço:

Um coração enterrado num corpo e sem uso:

Quanto tempo, quanto tempo preciso estar aqui

Confinado nesta vizinhança tediosa

Da mente comum?

Onde quer que eu olhe agora

Negras ruínas da minha vida surgem à vista.

Tantos anos estive aqui

Gastando e desperdiçando, e nada ganho.

Não há nenhuma nova terra, meu amigo, nenhum

Novo mar; pois a cidade o seguirá,

Nas mesmas ruas vagarás interminávelmente,

Os mesmos subúrbios mentais vão da juventude à velhice,

Na mesma casa encanecem por fim –

A cidade é uma cela.

Nenhum outro lugar, sempre este

Seu quinhão desta terra, e nenhum navio existe

Para levá-lo para longe de si mesmo.

Ah! Você não vê

Assim como arruinaste tua vida neste

Solitário pedaço de chão, arruinaste seu valor

Em toda parte agora – por toda a terra?



 

Reflexões Grisalhas
Sergio Pinheiro Lopes


Tudo é passageiro, menos o cobrador e o motorneiro. Ditado do meu tempo de criança, quando ainda havia bondes em São Paulo.
Perde-se a juventude e o viço, perdem-se amigos, perde-se a saúde, perde-se dinheiro, perde-se tempo, perdem-se as memórias e alguns a própria memória de si e, ao fim de tantas e inumeráveis perdas, perde-se a própria vida.
Pois o assunto da vida são mesmo as perdas. Lidar com elas. Aceitá-las.
E a lembrança que eventualmente fica dura uma ou duas gerações e olhe lá. Pergunte a qualquer um se de seus oito bisavôs e bisavós sabe ao menos o primeiro nome. Poucos são os que lembram mais de dois ou três. Essa a nossa duração neste mundo e na memória da própria família, para não falar dos outros de fora do círculo das relações sanguíneas.
Tudo bem, a vida pertence aos vivos. Isso todos sabem.
Parece que ao longo da vida, quase sem perceber, vamos subindo uma colina e chegados ao topo, nos encontramos sozinhos, contemplando um passado feito de retalhos e pedaços de lembranças dispersas no tempo.
Guardiães de uma história que só a nós mesmos interessa. E ainda assim, não muito. Há um sentimento de distanciamento do que vivemos, fizemos e deixamos de fazer.
É importante, em não tendo sido supremos canalhas, é claro, ao menos não cultivar culpas. Além de inútil pode tornar mais sofrido o fim da jornada.
Quem me lê pode achar que estou velhinho e olhando para o passado. Longe disso. Não estou ainda no topo da colina. Apenas observo os que lá já estão e com quem convivo, e me preparo para quando chegar a minha vez.
Mas já é possível assistir ao processo das perdas. As inexoráveis e as que talvez fossem evitáveis. Não há como saber.
Desde o barbeiro que, inadvertidamente, mostra o corte e deixa-o vislumbrar a calva que avança no topo da cabeça, os efeitos da gravidade, o nariz e as orelhas que crescem com cada vez mais pelos; até as perdas mais doídas, daqueles a quem amamos.
Há também os tratamentos, como o ‘senhor’ e o inevitável ‘tio’ ou ‘tiozinho’ (vem aí o 'vovô'), com que os jovens imortais nos brindam, como se sinal de respeito fossem.
Idade e experiência não contam em país de jovens. Que aqui não é o Japão ou a China. Estamos mais para os esquimós, que põem os velhos para fora do iglu, para que morram de frio e inanição. Depois de certa idade, não há emprego ou ocupação para os velhos, salvo trabalho voluntário ou jogar dominó na pracinha.
Faz pouco tempo conheci um senhor de oitenta anos, médico de profissão que ficou praticamente cego. Outro dia o vi na padaria, e fui sentar-me ao seu lado. Contou-me que pensava em se matar, que já tinha juntado os remédios próprios para uma morte sem sofrimento. Ponderei que o suicídio, embora esteja na reflexão de todos os seres humanos e possa ser um alívio, pode não sê-lo também, já que ninguém sabe o que nos aguarda do outro lado. Além disso, pune os que ficam deixando uma inevitável sensação de culpa nos que nos rodeiam. Ele virou o rosto para mim, não me vendo naturalmente, pôs a mão no bolso, tirou umas notas e pediu que dissesse a ele quais eram de que valor. Eu disse. Ele levantou-se, pagou e foi-se embora. Não o vi mais e estou preocupado com ele, embora não o conheça bem e não saiba onde mora. Ele que a tantos tratou e curou, não encontra propósito ou alívio para si mesmo.
Não estou velho ainda, propriamente, é verdade,
mas minha alma já anda solitária e grisalha.


16.8.11

 

Poesia vs. Dinheiro



Se não há dinheiro na poesia, tampouco há poesia no dinheiro.
(Robert Graves)


 

Eu não sou o Rappaport



Nat: Ei, Rappaport! Eu não te vejo há séculos. Como vai?
Midge: Eu não sou o Rappaport.
Nat: Rappaport, o que aconteceu com você? Você costumava ser um cara baixinho e gordo, e agora você é um cara alto e magro.
Midge: Eu não sou o Rappaport!
Nat: Rappaport, você costumava ser um cara jovem de barba, e agora você é um cara velho de bigode.
Midge: Eu não sou o Rappaport!!
Nat: Rappaport, como é que aconteceu isso? Você costumava ser um cara pequeno, branco e fraco, e agora você é um cara grande, preto e forte.
Midge: Eu não sou o Rappaport!!!
Nat: E ainda por cima você mudou de nome também?!?



14.8.11

 

Rosa Meditativa
Salvador Dalí
1958






 

Vírgula



Uma vírgula pode ser uma pausa... ou não:

Não, espere.
Não espere.

Ela pode sumir com seu dinheiro:
23,4.
2,34.

Pode ser autoritária:
Aceito, obrigado.
Aceito obrigado.

Pode criar heróis:
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.

E vilões:
Esse, juiz, é corrupto.
Esse juiz é corrupto.

Pode ser a solução:
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião:
Não queremos saber.
Não, queremos saber.

Uma vírgula muda tudo.

Se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de quatro à sua procura.

Se você for mulher, provavelmente colocou a vírgula depois de "mulher".
Se você for homem, provavelmente colocou a vírgula depois de "tem".

Eu, não nós.

Mude para:

Eu não, nós.


 

Uma Breve História dos Deuses
Sukasah Syahdan



Primeiro adoramos o inanimado.
Depois, aprendemos a adorar os deuses.

Mais tarde, descobrimos a Deidade.
Então, cegos por nossa própria Razão,
Voltamos para o inanimado
E terminamos adorando qualquer coisa,
De futebol até crescimento econômico.

13.8.11

 

Miragem
Caxig


Vendo.

Visto
Vendo.

Vendo.

Visto
Sendo.

Vendo.

Sendo
Visto.

Na invenção
do espelho.


 

Artemis
Rembrandt Van Rijn
1632





 

Laerte





 

Hein?




12.8.11

 

Estudo do Retrato do Papa Inocêncio X
de Velazquez
Francis Bacon







 

Lady Be Good
Regina Carter




 

Comercial




 

História da Noite
Jorge Luis Borges



Ao longo de diversas gerações
os homens erigiram a noite.
Em seu começo era cegueira e sonho
e espinho que lacera o pé desnudo
e o temor dos lobos.
Nunca saberemos quem forjou a palavra
para o intervalo da Sombra
que cinde os dois crepúsculos;
nunca saberemos em que século foi cifra
do espaço de estrelas.
Outros engendram o mito.
Transformaram-na em mãe das parcas tranqüilas
que tecem o destino
e lhe sacrificam ovelhas negras
e o galo pressagia seu fim.
Doze casas lhe deram os caldeus;
infinitos mundos, Zeno.
Hexâmetros latinos a modelaram
e o Terror de Pascal.
Luís de León nela encontrou a pátria
de sua alma estremecida.
Agora a sentimos inesgotável
como um antigo vinho
e ninguém pode contemplá-la sem vertigem
e o tempo a impregnou de eternidade.

E pensar que não existiria
sem esses tênues instrumentos, os olhos.


11.8.11

 

Laerte





 

O Jovem Mendigo
Bartolome Esteban Murillo
1650






 

Sol Nascente
Sergio Pinheiro Lopes
2008



Seis horas da manhã.
O assobio embaixo da janela,
o sorriso maroto-feliz
de meu filho:
"Desça rápido", me diz.
Desci para para que me mostrasse
um glorioso arco-íris,
Tão bom e
Tão magnífico.
Todas as cores
às seis horas da manhã.
É bom estar vivo,
É bom ter este meu filho.
Tanto tempo sem arco-íris:
O filho
O belo
O inenarrável.
Obrigado,
filho meu,
e seu arco-íris.


10.8.11

 

Poética
Vinícius de Moraes



De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.


 

Laerte







9.8.11

 

O Brasil Através das Três Américas
Beto Braga
Entrevista TV Nicarágua





Reportagem da TV da Nicarágua e entrevista com Beto Braga a respeito da abertura da Carretera Panamericana e o assassinato de Augusto César Sandino.
Tive o privilégio de ser o tradutor de seu livro para o inglês.

7.8.11

 

Yara





Yara, meu primeiro e grande amor, hoje.
Bela (mais, na verdade) como no dia em que a conheci.

 

Minialetos
Sergio Pinheiro Lopes



Sempre fui irresistivelmente atraído pelas palavras bem urdidas, e pelas diversas formas que seu encadeamento pode tomar dentro de uma mesma língua. Mais, dentro de uma mesma cidade, e digo, até dentro de um mesmo espaço físico.
São como dialetos para mim. Minialetos talvez fosse um bom nome.
Vou começar com um exemplo.
Peguemos a frase:
“Os homens não entendem as mulheres”.
Para uma pessoa de pouca instrução, em um boteco, digamos, poderia ser expressa como um suposto dito nordestino:
“Nem o diabo entende mulher, se entendesse não tinha chifre”.
Para uma pessoa de instrução média, em um barzinho da Vila Madalena, vá lá, poderia ser dita como um clichê:
“Os homens são PC e as mulheres são Mac.”, parodiando o título de um famoso livro sobre o assunto.
Já para uma pessoa de nível universitário, freqüentador da Casa do Saber, poderia ser assim:
“Homens e mulheres, devido a diferenças que vão desde a anatomia até a genética, desde os meios culturais em que foram criados até o papel social designado a cada um por séculos de costumes, podem ter diferenças que, em alguns assuntos, os tornam incompreensíveis uns para outros.”
Há um inegável machismo na primeira frase, uma inversão na segunda (para aqueles que sabem que Mac é melhor que PC, naturalmente), e uma terceira frase em cima do muro. Tucanês, diria o José Simão. Mas o machismo visível na primeira frase pode ser visto mais como uma forma de humor cru; a inversão da segunda como politicamente correta e a terceira, bem... a terceira não cheira nem fede, é claro, além de ser a mais longa das três.
Mas são apenas exemplos do que chamei de minialetos.
Com alguma atenção e treino é possível aprender, até com alguma facilidade, a se expressar em cada um deles por conversas inteiras. É como aprender outra língua, só que muito mais fácil.
A vantagem deste aprendizado é a melhora da comunicação com as pessoas independente de sua origem, instrução ou condição social.
Afora que é uma delícia para quem gosta de palavras como eu.
Mas, em cidades grandes como São Paulo ou Rio, além dessas variáveis educacionais e socioeconômicas, existem também as variáveis de cultura local. Palavras que são de uso corrente em um bairro e praticamente desconhecidas em outro, ou então familiares para uma ‘tribo’ e com sentido totalmente diverso em outra.
Vejam bem, não estou nem falando de jargões profissionais, que também estas linguagens podem ser incompreensíveis para pessoas de fora do ramo específico de atuação a que se referem.
Estou falando de linguagens pedestres, cotidianas.
De certa forma, o talento para falar de modos diferentes já está embutido em todos nós.
Por exemplo, sabemos perfeitamente quando usar ou não palavrões, quando é para sermos mais ou menos formais; sabemos que o não permitido à mesa é perfeitamente aceitável em uma roda de amigos, e por aí vai.
Então me parece que é apenas uma questão de tornar essa habilidade natural da cultura – pois que perpassa todos os segmentos sociais e econômicos – mais abrangente e inclusiva, até para melhor curtir a cidade e seus diversos sabores lingüísticos e culturais.
Menas..., dirão alguns.
Mas por que não, catsu?..., digo eu.

 

Telhados Vermelhos
Camille Pissarro
1877




 

A Dor
Khalil Gibran


Sua dor é o quebrar da concha
que encerra sua compreensão.


Como a casca da fruta deve se quebrar para que sua
semente apareça sob o sol,
assim também você deve conhecer a dor.


Se seu coração pudesse se manter sempre maravilhado
com o milagre diário de sua vida,
sua dor não pareceria
menos maravilhosa que sua alegria;


E aceitaria as estações de seu coração,
como sempre aceitou as estações que passam sobre seus campos.


E esperaria com serenidade
durante os invernos de sua aflição.

Muitas de suas dores você mesmo escolheu.

É o remédio mais amargo com o qual
seu médico interior cura o seu Eu doente.

Portanto, confia no médico,
e beba seu remédio em silêncio e tranqüilidade.


Porque sua mão, embora pesada e dura,
é guiada pela suave mão do Invisível.


E a taça que Ele te dá, embora queime seus lábios,
foi fabricada de barro umedecido
por Suas lágrimas sagradas.



6.8.11

 

Laerte




 

Exite
Cesar Netto




 

Homem Cego
Joel Meyerowitz
Espanha
1967




 

Da Preocupação de Escrever
Mario Quintana



Escrever... Mas por quê? Por vaidade, está visto...
Pura vaidade, escrever!
Pegar da pena... Olhai que graça terá isto,
Se já se sabe tudo o que se vai dizer!...

5.8.11

 

O Carvalho
R.B. Kitaj
1991




 

Onze
Caxig



Fique imóvel
Reto
Respire
Não é você que respira
Embora respire
Algo respira em você
Algo visível no momento mais invisível
Entre o inspirar e o expirar
Tudo chama a atenção
Algo não respira em tudo
Chamando a atenção
Invisível

 

O Cão Sem Plumas
João Cabral de Melo Neto



Aquele rio

era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água, da brisa na água.

4.8.11

 

A Most Peculiar Man
Simon & Garfunkel






He was a most peculiar man,
That's what Mrs. Riordan said and she should know;
She lived upstairs from him,
She said he was a most peculiar man.

He was a most peculiar man.
He lived all alone within a house,
Within a room, within himself,
A most peculiar man.

He had no friends, he seldom spoke
And no one in turn ever spoke to him,
cause he wasn't friendly and he didn't care
And he wasn't like them.
Oh, no, he was a most peculiar man.

He died last saturday.
He turned on the gas and he went to sleep
With the windows closed so he'd never wake up
To his silent world and his tiny room;
And Mrs. Riordan says he has a brother somewhere
Who should be notified soon.
And all the people said, what a shame that he's dead,
But wasn't he a most peculiar man?

 

Dali Llama






 

Perfis




 

Francis
Erros de Gravação






Saudades.

3.8.11

 

Don't Think Twice, It's All Right
Bob Dylan






And there ain’t no use to sit and wonder why, babe
Even if you don't know by now
An’ it ain’t no use to sit and wonder why, babe
It'll never do somehow
When your rooster crows at the break of dawn
Look out your window and I’ll be gone
You’re the reason I’m trav’lin’ on
Don’t think twice, it’s all right

And it ain’t no use in turnin’ on your light, babe
The light I never knowed
An’ it ain’t no use in turnin’ on your light, babe
I’m on the dark side of the road
And I wish there was somethin’ you would do or say
To try and make me change my mind and stay
We never did too much talkin’ anyway
Don’t think twice, it’s all right

So it ain’t no use in callin’ out my name, gal
Like you never done before
It ain’t no use in callin’ out my name, gal
I can’t hear you anymore
I’m a-thinkin’ and a-wond’rin’ walking down the road
I once loved a woman, a child I’m told
I give her my heart but she wanted my soul
Don’t think twice, it’s all right

So long, honey babe
Where I’m bound, I can’t tell
But goodbye’s too good a word, babe
So I’ll just say fare thee well
I ain’t sayin’ you treated me unkind
You could have done better but I don’t mind
You just kinda wasted my precious time
But don’t think twice, it’s all right

2.8.11

 

O Animal Preferido do Sr. Keuner
Bertold Brecht



Quando perguntaram ao senhor K.,
Qual era seu animal favorito,
Ele mencionou o elefante, e assim explicou:
O elefante une a astúcia à força.
Não a astúcia mesquinha que basta
Para evitar uma emboscada ou arranjar um alimento,
Passando-se despercebido,
Mas a astúcia que sabe utilizar a força para grandes empreendimentos.
Por onde passa, esse animal deixa uma larga pista.
E no entanto é camarada e gosta de brincadeiras.
É tão bom amigo quanto inimigo.
Muito grande e pesado,
É no entanto, também muito rápido.
Sua tromba conduz ao corpo enorme os menores alimentos.
Suas orelhas são reguláveis: ouve apenas o que lhe interessa.
Vive muito.
Tem uma memória prodigiosa.
Também é sociável, e não somente com elefantes.
Em toda parte é igualmente amado e temido.
Uma certa comicidade torna possível que ele seja até venerado.
Tem a pele espessa, na qual se quebram as facas;
Mas sua índole é delicada.
Ele é capaz de ficar triste.
É capaz de se enraivecer.
Ele gosta de dançar.
É discreto e se recolhe para morrer.
Ama as crianças e outros animais pequenos.
Ele é cinza e só chama a atenção por sua massa.
Ele não é comestível.
É bom trabalhador.
Gosta de beber e fica alegre.
Faz tudo pela arte:
Fornece o marfim.

 

Lista De Preferências
Bertold Brecht



Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.

Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexeqüíveis.

Meninas, as veras.
Mulheres, as insinceras.

Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.

Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.

Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.

Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.

Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.

Cores, o rubro.
Meses, outubro.

Elementos, o fogo.
Divindades, o logos.

Vidas, as lúcidas.
Mortes, as súbitas.

1.8.11

 

Cadernos de João
Aníbal Machado



Os que não acumulam
E são os mais ricos
Os que ignoram o espelho
E são os mais belos
Os que não choram e são tristes
Os que não dançam e são alegres
Os que são fortes e nem se lembram
Os que mais parecem irmãos
Das águas, bichos, árvores e pedras...

This page is powered by Blogger. Isn't yours?