7.8.11

 

Minialetos
Sergio Pinheiro Lopes



Sempre fui irresistivelmente atraído pelas palavras bem urdidas, e pelas diversas formas que seu encadeamento pode tomar dentro de uma mesma língua. Mais, dentro de uma mesma cidade, e digo, até dentro de um mesmo espaço físico.
São como dialetos para mim. Minialetos talvez fosse um bom nome.
Vou começar com um exemplo.
Peguemos a frase:
“Os homens não entendem as mulheres”.
Para uma pessoa de pouca instrução, em um boteco, digamos, poderia ser expressa como um suposto dito nordestino:
“Nem o diabo entende mulher, se entendesse não tinha chifre”.
Para uma pessoa de instrução média, em um barzinho da Vila Madalena, vá lá, poderia ser dita como um clichê:
“Os homens são PC e as mulheres são Mac.”, parodiando o título de um famoso livro sobre o assunto.
Já para uma pessoa de nível universitário, freqüentador da Casa do Saber, poderia ser assim:
“Homens e mulheres, devido a diferenças que vão desde a anatomia até a genética, desde os meios culturais em que foram criados até o papel social designado a cada um por séculos de costumes, podem ter diferenças que, em alguns assuntos, os tornam incompreensíveis uns para outros.”
Há um inegável machismo na primeira frase, uma inversão na segunda (para aqueles que sabem que Mac é melhor que PC, naturalmente), e uma terceira frase em cima do muro. Tucanês, diria o José Simão. Mas o machismo visível na primeira frase pode ser visto mais como uma forma de humor cru; a inversão da segunda como politicamente correta e a terceira, bem... a terceira não cheira nem fede, é claro, além de ser a mais longa das três.
Mas são apenas exemplos do que chamei de minialetos.
Com alguma atenção e treino é possível aprender, até com alguma facilidade, a se expressar em cada um deles por conversas inteiras. É como aprender outra língua, só que muito mais fácil.
A vantagem deste aprendizado é a melhora da comunicação com as pessoas independente de sua origem, instrução ou condição social.
Afora que é uma delícia para quem gosta de palavras como eu.
Mas, em cidades grandes como São Paulo ou Rio, além dessas variáveis educacionais e socioeconômicas, existem também as variáveis de cultura local. Palavras que são de uso corrente em um bairro e praticamente desconhecidas em outro, ou então familiares para uma ‘tribo’ e com sentido totalmente diverso em outra.
Vejam bem, não estou nem falando de jargões profissionais, que também estas linguagens podem ser incompreensíveis para pessoas de fora do ramo específico de atuação a que se referem.
Estou falando de linguagens pedestres, cotidianas.
De certa forma, o talento para falar de modos diferentes já está embutido em todos nós.
Por exemplo, sabemos perfeitamente quando usar ou não palavrões, quando é para sermos mais ou menos formais; sabemos que o não permitido à mesa é perfeitamente aceitável em uma roda de amigos, e por aí vai.
Então me parece que é apenas uma questão de tornar essa habilidade natural da cultura – pois que perpassa todos os segmentos sociais e econômicos – mais abrangente e inclusiva, até para melhor curtir a cidade e seus diversos sabores lingüísticos e culturais.
Menas..., dirão alguns.
Mas por que não, catsu?..., digo eu.

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