18.12.07
Flashes Cotidianos
Sergio Pinheiro Lopes
O Bife
Personagens
Ferrari
Raul
David
Dedé
Frequentadores
Cena 1 – Clube/fim da manhã
Terraço de clube com vista para pista de atletismo ao redor de campo de futebol. Raul tira a camiseta, senta em uma cadeira e começa a tirar os tênis. Ferrari chega, carregando uma maleta de ginástica e a coloca em cima de uma mesa. Olha para a pista.
Ferrari: E aí, Major? Tá quieto hoje aqui.
Raul: Salve a Maravilha de Maranello.
Ferrari: Pô, rapaz, isso aqui tá vazio.
Raul: Só tem aquele velho que está correndo como um louco. (acabando de tirar o tênis com a ponta dos pés. Suspira e se dobra para tirar as meias fazendo uma careta)
Ferrari: Que velho? O único velho que tá correndo é aquele ali super devagar, imbecil... (Abre a maleta e começa a mexer dentro)
Raul: Não falei que ele estava correndo rápido. Falei que estava correndo como um louco. Olha a cabeça do cara. Ele fica com ela de lado e com aqueles bracinhos encolhidos parecendo um canguru.
Ferrari ri.
Ferrari: Já correu?
Raul: Me arrastei por uns 15 minutos pela pista. Estou com uma puta ressaca.
Ferrari: Guinnegan’s de novo?
Raul: Você não acredita. Se eu tivesse mais quinze segundos de energia, usava para me matar.
Ferrari: Que horas você saiu de lá?
Raul: Três, quatro, mais ou menos. Por que você não apareceu?
Ferrari: Tava sem saco pra sair de casa.
Raul: Você precisava ver o David. O cara estava enlouquecido ontem. Quando cheguei, ele já devia estar lá há horas.
Ferrari: Ele provavelmente mora lá. Eu só vejo o cara lá. Acho que ninguém nunca viu o David de dia, fora da porra do bar.
Cena 2 - Ginnegan’s. Um bar, tipo pub, balcão quadrado com banquetas ao redor e barman no centro. Algumas mesinhas. Não muito cheio. David vêm do fundo em direção a Raul. Efusivamente.
David: Se não é o Grande Raul. O famoso Luar ao contrário.
Raul: E aí David? (ele pronuncia deivid, como se fosse em inglês)
David: Você viu o que aquele gênio do Mainardi falou do Furtado?
Raul: Que Furtado?
David: Aquele cara que fez O Homem que Copiava. O Mainardi disse que ele é o Amaral Neto dos petistas.
Raul: O Mainardi é engraçado. Mete a ronca em todo mundo. Pelo menos dá pra ler, diferente do resto da revista. Não consigo ler aquela porcaria. Fora que o cara é rico e bonitão.
David: (Para o barman) Dedé, serve dois uísques aqui pra gente. Bonitão é, boneca? Pra mim o Mainardi é sexy como um sapo mijando. Já a relação do resto da revista com a verdade é a mesma que um cocker spaniel tem com um dia de chuva. De vez em quando você vê um cocker spaniel na chuva, mas não é uma coisa que você cruza a toda hora. Não dá pra contar com isso.
Raul: É uma espécie de puteiro intelectual. Isso a imprensa em geral.
David: Jornalismo é um vício pior que heroína. Um meio cheio de bêbados, tipinhos venais e escritores frustrados. Uma gente esquisita. Qualquer peixe que se dá ao respeito se recusa a ser embrulhado em qualquer jornal publicado no Brasil.
Raul ri e pega seu uísque do balcão e dá um gole. David já está com seu na mão e bebe também.
Raul: Jornalismo é a manha de transformar em dinheiro tudo o que você não gosta e todos seus inimigos.
David: Vamos pegar aquela mesa ali (e aponta para uma mesa perto da porta).
Eles se dirigem para a mesa dando uma olhada ao redor.
Raul: Alguma coisa que preste?
David: Têm umas secretárias lá em cima comemorando aniversário. Você vê quando for mijar. Aliás, outro dia eu estava mijando e um cara falou de dentro do box: ‘Ah, mijar é a melhor coisa do mundo’. Falei pra ele que das duas uma: ou eu não sabia mijar ou ele não sabia trepar.
Entra um casal e os dois olham a bunda da moça discretamente.
Raul(rindo): Pior são aqueles caras que ligam pra patroa do banheiro dizendo que ainda estão trabalhando.
David: Cara, tá todo mundo ficando louco. Só cruzo com pirado o dia inteiro.
Raul: É que você bebe o dia inteiro, David. É você que tá bêbado. As pessoas são normais.
David: Que bêbado? Eu bebo pra agüentar esse mundo, Raul. Eu bebo pra ficar ruim mesmo. Se eu quisesse ficar bom, eu tomava remédio. E tem mais, ninguém é normal. Você, por exemplo, é um puta anormal.
Raul: Pacto de sangue entre anormais. Dava uma boa manchete.
Passagem de tempo. Fade out e fade in. Horas depois. Mesa desarrumada, os dois mais desarrumados. Cinzeiro cheio, bolachas de cerveja, maço de cigarros vazio. O bar bem mais cheio de gente, aquele zun-zun de conversa e ar enfumaçado.
David: Você conhece a vingança do bife?
Raul (sorrindo): Que vingança do bife?
David: Uma vez um filho da puta de um cara que eu conhecia, um tal de Marcelo, deu uns tecos numa namorada minha pelas minhas costas e muito tempo depois eu fiquei sabendo. Falei, mas que filho da puta! Vou aprontar a do bife pra cima dele. Fui no açougue e comprei um puta dum bifão de coxão duro, desse tamanho...
Fade out com o som da conversa diminuindo no background e o burburinho aumentando.
Cena 3 -Fade in (de volta ao bar com Ferrari acompanhando interessado David contando a história do bife)
David (fazendo o tamanho do bife com as mãos): ...um bife deste tamanho de coxão duro.
Ferrari: Catsu que você fez com o bife?
David: Você não vai acreditar. Coloquei o bife embrulhado no bolso do paletó e fui visitar o desgraçado.
Conversa vai, conversa vem, aproveitei uma distração do sujeito, fui até o carro dele, na garagem, e prendi o bife entre as molas do banco dianteiro.
Fica uma coisa impossível de achar. Bom, bastava fazer um calorzinho, ou trancar o carro que o fedor ficava insuportável. O cara lavou o carro de tudo quanto é jeito, mandou até tirar os bancos para lavar completo, mas não adiantou nada. Bastava fazer sol que, pimba, lá vinha o fedor impossível. Pra resumir, o cara acabou tendo que vender o carro, e de janelas abertas.
David: Se não é o Grande Raul. O famoso Luar ao contrário.
Raul: E aí David? (ele pronuncia deivid, como se fosse em inglês)
David: Você viu o que aquele gênio do Mainardi falou do Furtado?
Raul: Que Furtado?
David: Aquele cara que fez O Homem que Copiava. O Mainardi disse que ele é o Amaral Neto dos petistas.
Raul: O Mainardi é engraçado. Mete a ronca em todo mundo. Pelo menos dá pra ler, diferente do resto da revista. Não consigo ler aquela porcaria. Fora que o cara é rico e bonitão.
David: (Para o barman) Dedé, serve dois uísques aqui pra gente. Bonitão é, boneca? Pra mim o Mainardi é sexy como um sapo mijando. Já a relação do resto da revista com a verdade é a mesma que um cocker spaniel tem com um dia de chuva. De vez em quando você vê um cocker spaniel na chuva, mas não é uma coisa que você cruza a toda hora. Não dá pra contar com isso.
Raul: É uma espécie de puteiro intelectual. Isso a imprensa em geral.
David: Jornalismo é um vício pior que heroína. Um meio cheio de bêbados, tipinhos venais e escritores frustrados. Uma gente esquisita. Qualquer peixe que se dá ao respeito se recusa a ser embrulhado em qualquer jornal publicado no Brasil.
Raul ri e pega seu uísque do balcão e dá um gole. David já está com seu na mão e bebe também.
Raul: Jornalismo é a manha de transformar em dinheiro tudo o que você não gosta e todos seus inimigos.
David: Vamos pegar aquela mesa ali (e aponta para uma mesa perto da porta).
Eles se dirigem para a mesa dando uma olhada ao redor.
Raul: Alguma coisa que preste?
David: Têm umas secretárias lá em cima comemorando aniversário. Você vê quando for mijar. Aliás, outro dia eu estava mijando e um cara falou de dentro do box: ‘Ah, mijar é a melhor coisa do mundo’. Falei pra ele que das duas uma: ou eu não sabia mijar ou ele não sabia trepar.
Entra um casal e os dois olham a bunda da moça discretamente.
Raul(rindo): Pior são aqueles caras que ligam pra patroa do banheiro dizendo que ainda estão trabalhando.
David: Cara, tá todo mundo ficando louco. Só cruzo com pirado o dia inteiro.
Raul: É que você bebe o dia inteiro, David. É você que tá bêbado. As pessoas são normais.
David: Que bêbado? Eu bebo pra agüentar esse mundo, Raul. Eu bebo pra ficar ruim mesmo. Se eu quisesse ficar bom, eu tomava remédio. E tem mais, ninguém é normal. Você, por exemplo, é um puta anormal.
Raul: Pacto de sangue entre anormais. Dava uma boa manchete.
Passagem de tempo. Fade out e fade in. Horas depois. Mesa desarrumada, os dois mais desarrumados. Cinzeiro cheio, bolachas de cerveja, maço de cigarros vazio. O bar bem mais cheio de gente, aquele zun-zun de conversa e ar enfumaçado.
David: Você conhece a vingança do bife?
Raul (sorrindo): Que vingança do bife?
David: Uma vez um filho da puta de um cara que eu conhecia, um tal de Marcelo, deu uns tecos numa namorada minha pelas minhas costas e muito tempo depois eu fiquei sabendo. Falei, mas que filho da puta! Vou aprontar a do bife pra cima dele. Fui no açougue e comprei um puta dum bifão de coxão duro, desse tamanho...
Fade out com o som da conversa diminuindo no background e o burburinho aumentando.
Cena 3 -Fade in (de volta ao bar com Ferrari acompanhando interessado David contando a história do bife)
David (fazendo o tamanho do bife com as mãos): ...um bife deste tamanho de coxão duro.
Ferrari: Catsu que você fez com o bife?
David: Você não vai acreditar. Coloquei o bife embrulhado no bolso do paletó e fui visitar o desgraçado.
Conversa vai, conversa vem, aproveitei uma distração do sujeito, fui até o carro dele, na garagem, e prendi o bife entre as molas do banco dianteiro.
Fica uma coisa impossível de achar. Bom, bastava fazer um calorzinho, ou trancar o carro que o fedor ficava insuportável. O cara lavou o carro de tudo quanto é jeito, mandou até tirar os bancos para lavar completo, mas não adiantou nada. Bastava fazer sol que, pimba, lá vinha o fedor impossível. Pra resumir, o cara acabou tendo que vender o carro, e de janelas abertas.
Riem os três da vingança do bife.