25.1.08

 

25 de Janeiro
Sergio Pinheiro Lopes


Nasci um ano antes do Quarto Centenário, quando inauguraram o Ibirapuera. Havia barcos a remo e a motor no lago e um restaurante ao lado do deck. Ia-se a pé por ruas de sibipirunas e tipuanas.
Os Jardins podiam ser chamados de Pomares: havia ruas com jabuticabeiras, amoreiras, pés-de-café (tinha um na frente de casa) e muitas outras.
As pajens – era assim que as chamavam – andavam com os carrinhos de bebê nas praças, os táxis e os telefones eram pretos, os guarda-civis usavam uniforme azul e luvas brancas. Dava para jogar bola na rua Estados Unidos. No centro da praça das Guianas havia uma árvore imensa. Quando eu era menino dava para ficar contando os carros que passavam pela 9 de Julho. Era lá que passava a parada de 7 de Setembro, e, no carnaval, havia corso na avenida Brasil.
O Harmonia não era clube de gente metida. A rua Canadá inundava em dia de chuva. O Morumbi não existia. A cidade acabava lá pelo Jockey Club, depois era ‘o pasto’, como se dizia. Hoje ando como alma penada nessa minha cidade, arrancando pedaços de memória das poucas casas de então, de um quebradinho na calçada, de uma ou outra árvore. Meu Tio Julinho parava o carro naquela esquina quando vinha tomar lanche no domingo. A Casa América tinha o melhor sorvete de pistache do mundo. O primeiro supermercado da cidade chamava-se Sirva-se, localizado na rua Augusta. Um pouco mais para cima ficavam o cine Paulista e a primeira lanchonete que só vendia hot-dog com fritas e hot fudge nut. Ia para o cinema, para a escola, para o clube, para visitar minha avó, tudo de bonde. Depois veio o ônibus elétrico que fazia hmmmmmmm quando acelerava. A praça das Bandeiras chamava “O Piques”, e a rua Direita era torta. O cine Marrocos era o mais aconchegante, e a Salada Paulista, na avenida Ipiranga, era restaurante de gente educada. Comia-se bem. Havia a praça da República e flores no largo do Arouche – acho que ainda têm. As meninas do Externato Meira eram as mais galinhas, e o Consulado Americano ficava no Conjunto Nacional, aquele, com o relógio da Willys (Overland do Brasil). O crioulo que fazia as entregas da Mercearia Vera chamava-se Sagüi, e todo dia era possível cruzar com o escocês e seu coolie. O tempo vivia nublado, sempre garoava. A cidade era mais fria, as pessoas mais quentes. Dormia-se de janela aberta. Meu cachorro Paddy andava solto, todo mundo o conhecia. Todas as ruas eram de paralelepípedos. E esses meus cabelos brancos são apenas um disfarce, nunca cresci, continuo menino e continuo contando os carros.
Hoje é aniversário de São Paulo.

(Crônica publicada no livro Peneira do Tempo)

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