21.1.09

 

O Bule Verde
Maria Júlia Pinheiro Lopes


Ele está comigo há várias décadas. Já não mais em uso, pois o chá agora vem em saquinhos, cousas do progresso. Mas ele ocupa lugar cativo na cristaleira do meu coração.
Porque ele não é um bule qualquer, tem uma história de vida bem simpática, a qual me faz bem quando dela me lembro.
Tudo começou com um bolo de banana. Um momento! Já vou explicar tudo. Juarez Rubens havia alugado seu apartamento da Rua José Maria Lisboa para um casal de escoceses, recém chegados. Contou-me que tinham um menino regulando com o Sergio e que não conheciam ninguém aqui. Será que eu poderia fazer uma visitinha amiga para a desterrada? Claro que assenti com prazer e, num dia que achei propício, fiz um lindo bolo de bananas (na verdade uma ‘cuca’ de bananas) e lá fui empunhando o dito cujo, o Sergio a tiracolo, cumprir meu dever de cidadã.
Lá chegando, toquei a campainha e... nada de resposta. Insisti e na terceira campainhada surgiu uma escocesa com um escocesinho do lado, com uma cara mais do que desconsolada. Apresente-me, falei amabilidades e entreguei o presente. Aí fui eu a surpreendida, com a mais anti-escocesa das reações – a moça começou a chorar segurando o bolo e eu, para melhorar o ambiente, esclareci – é de bananas, bem brasileira, para lhes desejar boas vindas! O pranto redobrou, todo mundo de pé, na maior semgraceza.
Finalmente ela recuperou a fala e como eu falava em inglês, começou a explicar-se:
Mrs. Lopes desculpe meu outburst, mas foi tudo tão inesperado! Imagine a senhora que hoje é aniversário do meu filhinho e ele estava tristíssimo quando a sra. chegou. E, além do mais, ele é louco por tudo que leva bananas e, quando vi a sra. Com esse bolo não mão, a emoção foi demais...
Clareado o ambiente, entramos e ela foi fazer chá (o qual foi servido no tal bule verde). A prosa esquentou e, uma hora mais tarde voltamos para casa, deixando uma escocesinha e seu rebento mais que felizes e risonhos com a promessa de nos encontrarmos em breve. Claro que eu e Sergio estávamos nos sentindo a moderna versão do “bom samaritano”.
Pearl (esse seu nome), ficou assídua de minha casa e foi um divertimento ver o Peter se integrando na bagunça familiar brasileira.
Ficamos todos amicíssimos...
Passados uns dois anos, ao terem de voltar à Grã-Bretanha, tivemos um chá de despedida, ao término do qual, Pearl se levantou solene, declarando: Júlia, você foi a amiga melhor que já tive e quero lhe dar como lembrança uma cousa que amo muito – empunhando o bule vazio, disse-me comovida – este bule foi minha mãe que me deu quando me casei. Quero que fique com você, para se lembrar deste trecho do caminho que andamos juntas. Entregou-me o presente e me deixou sensibilizada, pois realmente gostava dela...
E o bule naturalizou-se brasileiro e foi largamente usado e apreciado por um bom número de anos.
Nunca mais soube de Pearl, mas ela mora na minha saudade, sempre que olho para o tal bule verde...
Nem poderia ser de outra maneira, não é mesmo?
Este retalhinho colorido de verde realçou a colcha de retalhos que tem sido minha longa existência.
Acho tudo bom demais.

Maria Júlia, manhã de sábado (8/9/2001)

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