21.6.11

 

Uma Velha Senhora
Sergio Pinheiro Lopes



Essa velha senhora escreve livros de crônicas. Não são escritos para ser publicados. Na verdade, ela proibiu a todos que sequer pensassem em publicá-los. São muito pessoais, diz, e não passam de memórias de uma velha. Mas recupera os textos de seus velhos diários, escreve novos, salva e imprime estas reminiscências (tendo aprendido a lidar com computador aos oitenta anos), e eu posso ser considerado um dos poucos afortunados a ganhar cópias desses livros.
O passado é um peso crescente e acho que este é o seu modo de tornar este fardo menos pesado. Através de suas páginas, imagens esmaecidas voltam a viver, e o leitor é apresentado à galeria de seus tios e tias, primos e primas, parentes, amigos e conhecidos em passagens coloridas de sua longa e rica vida. Apresenta a mulher que era quando jovem, ingênua e cheia de esperanças e mostra seu marido com uma luz sob a qual ninguém mais poderia tê-lo visto. Ela captura instantâneos da vida diária com um olho que observa o que é essencialmente humano nas pessoas. Conta como, no curso de quase meio século, os degraus que levam à porta de entrada de sua velha casa foram gastos pelo ir e vir de tantas pessoas e fica-se sabendo de pequenos pedaços da vida daqueles que passaram por aqueles umbrais.
É um tipo peculiar essa velha senhora. Apesar dos muitos tempos difíceis e penosos que a vida lhe apresentou, nunca perdeu a alegria de viver e nunca deixou de agradecer a Deus pelas muitas bênçãos que viu em tudo que encontrou pelo caminho. Um sentido de direção permeia tudo que faz e escreve. É como se tudo que acontece tivesse o propósito de melhorar seu espírito e ela vê cada pequeno evento em sua jornada como sendo cheio de sentido, como uma oportunidade de aumentar seu conhecimento sobre as pessoas e as coisas.
Vê a vida como uma coisa sagrada.
Através de seus olhos fica-se sabendo não apenas as histórias de sua vida e da vida daqueles que a cercaram e é possível não somente imaginar como era a chuva caindo quando ainda era jovem e ver os rostos das pessoas quando as descreve, mas também ficamos sabendo como era a cidade e suas ruas, as coisas simples do passado, a escassez dos anos de guerra e as rápidas mudanças pelas quais o mundo passou depois disso. Vamos juntos em um passeio pelo tempo e é possível ver sob o presente, a pálida presença das camadas do passado tornando-se vívidas novamente.
É uma velha senhora cheia de histórias para contar.
Algumas de suas histórias são a respeito de eventos comuns e algumas transbordam de tristeza e de tragédia humana. Algumas são sobre momentos felizes e outras são simplesmente engraçadas. Todas são interessantes. Possui um modo todo pessoal de construir frases e pontos de vista inéditos a partir dos quais mostra as coisas. E, depois de ler seus textos, não dá para evitar o sentimento de gratidão pelo privilégio de estar vivo e poder partilhar de todas essas coisas.
Nos falamos ao telefone duas, talvez três vezes por semana. Nessas longas conversas me conta histórias que nunca se tornam crônicas de seus livros.
Esta velha senhora é minha mãe.
Mas isso é uma outra história...

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