11.9.11

 

O Calcanhar de Sócrates
Fernando de Barros e Silva



"Muito alto e de pés pequenos, com dificuldade para virar rapidamente em direções opostas, ele deu uma dimensão inesperada ao passe de calcanhar, que explorava em condições inimagináveis, incluindo lançamentos longos - como se fosse um Curupira adulto e esclarecido, capaz de investir de um sentido positivo o ponto fraco de Aquiles". Talvez essas sejam as palavras mais inspiradas e certeiras para descrever o que distinguia o gênio de Sócrates em campo.
José Miguel Wisnik, seu autor, diz ainda em "Veneno Remédio: o Futebol e o Brasil" que nunca sabíamos bem "o que esperar daquele genial gafanhoto ambulante que não parecia ostentar o inteiro domínio da sua disposição física".
O próprio Sócrates, em entrevista reunida no livro "Recados da Bola", do jornalista Jorge Vasconcellos, conta que desenvolveu o passe de calcanhar ainda jovem, diante da necessidade de se desfazer rapidamente da bola, antes do contato físico com o adversário, que seu corpo esguio não suportava. "O sapo não pula por boniteza, mas por precisão", dizia Guimarães Rosa.
Ainda sob o regime militar, Sócrates foi mentor e líder da Democracia Corintiana, uma experiência adulta e avançada no ambiente em geral infantilizado e até hoje arcaico e autoritário do futebol. No auge dos anos 80, passava semanas sem falar com a Rede Globo e se dava o direito de reagir com indiferença aos próprios gols, em protesto contra atos hostis da torcida.
Antiatleta com nome de filósofo - e Brasileiro como Tom Jobim -, Doutor Sócrates foi o capitão da seleção de Telê Santana em 1982, segundo ele "o grande time" em que jogou na vida, capaz da proeza de vencer perdendo, como a Hungria de 1954 ou a Holanda de 1974.
O drama decorrente do alcoolismo que ele enfrenta agora o coloca na posição de um Garrincha moderno, ou de um Garrincha esclarecido: desconfiado do sucesso, despreparado para a solidão, outsider como Mané, gauche na vida.

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