30.11.10
Vou-me Embora para Pasárgada
de e por
Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
28.11.10
Poesia
Cântico Negro
José Régio
João Villaret
O prazer da língua portuguesa.
Dizem que aprende-se bem um ofício, depois de pelo menos dez mil horas a praticá-lo.
Pois estamos a praticar a poesia e a língua portuguesa há cerca de dez séculos. Ouçam essas duas, e as acompanhem os textos.
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
A Menina Gorda
Rui Ribeiro Couto
João Villaret
Esta menina gorda, gorda, gorda,
Tem um pequenino coração sentimental.
Seu rosto é redondo, redondo, redondo;
Toda ela é redonda, redonda, redonda,
E os olhinhos estão lá no fundo a brilhar.
É menina e moça. Terá quinze anos?
Umas velhas amigas de sua mamãe
Dizem sempre que a encontram, num êxtase longo:
“Como esta menina está gorda, bonita!”
“Como esta menina está gorda, bonita!”
E ela ri de prazer. Seu rosto redondo
Esconde os olhinhos no fundo, a brilhar.
Às vezes no quarto,
Diante do espelho;
Ao ver-se tão gorda, tão gorda, tão gorda,
Ela pensa nas velhas amigas de sua mamãe
E também num rapaz
Que a olha sorrindo,
Quando toda manhã ela vai para a escola:
“– Ele gosta de mim… Ele gosta de mim.
Eu sou gorda, bonita…”
E os dedos gordinhos pegando nas tranças
Têm carícias ingénuas
Diante do espelho.
23.11.10
Senhor do Silêncio
Sergio Pinheiro Lopes
Alá
Adonai
Al-Malik
Anterior ao Nada
Anti-Matéria
Buraco Negro
Criador
Dono do Espaço
Deus
El Shaddai
Engenheiro do Universo
Fenda Abissal
Ferreiro da Matéria
Fio Invisível da Existência
Fogo que Consome
Fonte de Todo Conhecimento
Grande Arquiteto
Gudánaz
Hutá
Iavé
Jeová
Kadosh
Luz
Matéria Escura
Mecânico Quântico
Mestre do Tempo
Neuroquímico
Nomeador
O Princípio e o Fim
O Que Não Tem Nome
Posterior a Tudo
Quetzalcoatl
Rei dos Reis
Reverso do Espelho
Super-Nova
Trama da Ausência
Theos
Tzur Israel
Uasar
Vasu
Yod-Hei-Vav-Hei
Zênite.
Alusões ao que
Nomeia e não pode ser
Nomeado.
Dedos que apontam para a
Lua, não a
Lua.
20.11.10
Casas
Sergio Pinheiro Lopes
Gosto de casas.
Quando era menino, havia mães de amigos ou de conhecidos que eram tão obcecadas com limpeza, que nos obrigavam a tirar os sapatos e andar deslizando sobre recortes de tapete, para não arranhar o parquete, o assoalho, como se diz hoje em dia. Algumas chegavam ao paroxismo de cobrir os sofás e poltronas com plástico, para que não estragassem. Conheci também fanáticos que faziam o mesmo com bancos de carros. Lembro de sentir que havia uma inversão aí: as pessoas é que se adaptavam às coisas e não o contrário, como seria natural.
Prefiro casas gastas pelo uso.
Não me incomodam as paredes descascando aqui e ali, as manchas levemente escuras produzidas pelo calor das lâmpadas nas paredes e nos tetos. Até gosto. É sinal de casa habitada por gente há muito. Com histórias acontecidas entre os acenderes e os apagares dos dias e das luzes.
Sofás puídos, marcas de brasa de cigarro ali e acolá, poltronas destruídas por unhas de gatos ou mordidas de cachorros, tapetes manchados, marcas de copos em mesas – tudo ligeiramente disfarçado, decorado melhor dizendo, com um quadro, uma colcha, um porta-copo, uma tapeçaria, ou o que quer que seja. Gosto até de torneira que pinga (politicamente incorreto, bem sei), e marcas em batentes indicando o progresso do crescimento das crianças. Livros e discos empilhados fora do lugar. Jornais lidos. Tudo isso dá vida. Mostra que há moradores, que a vida transcorre com seus mil pequenos desastres seguidos de suas pequenas e cotidianas imprecações. Afinal, as coisas são feitas para serem usadas.
Compro coisas usadas com muita freqüência. Na verdade, quase que só. Mobílias, roupas, coisas de cozinha, objetos que acho curiosos, como uma bengala espanhola ou um telefone militar, por exemplo, comprei ao longo dos anos. Procuro sempre pelo que me diz alguma coisa, que se relacione com alguma parte de mim ou que ache particularmente belo ou interessante.
Carro novo, que me lembre, comprei pela última vez em 1976. Assim mesmo porque meu pai estava por trás da história. Acho bobagem comprar carro zero. Um semi-novo, até vá lá, mas um usado tem-se que procurar, levar a mecânico e funileiro para avaliar o estado, discutir preço e tal, mas podem ser, e freqüentemente são, ótimos. Mesmo com alguns milhares quilômetros; além de mais baratos, já vêm amaciados.
Mas, de volta às casas.
Sabem essas casas modernas, construídas e decoradas por medalhões, com tudo no seu lugar perfeito, simétricas, bem planejadas, nada destoando? Não parecem casas de vitrine? Estáticas como fotos. Para mim é essa a impressão que passam. São de vários estilos, é claro, e existem até aquelas que são decoradas propositadamente, como se os objetos, móveis, tapeçarias tivessem sido escolhidos pelos donos ao longo da vida.
Mas logo, o que é falso se revela.
Pelo modo como as coisas se comportam. Em casas habitadas, as coisas migram. Mais ou menos, conforme o gosto do dono, mas migram. Naquelas outras nada migra. Nada troca de lugar. Os quadros são medidos cuidadosamente para as paredes onde provavelmente vão morar para sempre. Têm de combinar com os móveis, com o ambiente programado e por aí vai. São casas opacas e não têm histórias. Nada de aconchego, de passagem humana por lá. Não sei vocês, mas a mim não deixam à vontade, esta a verdade.
Jardins também podem ser planejados hoje em dia. Não mais aquele jardineiro da vizinhança, seu Fulano, que ia combinando as plantas de acordo com a disponibilidade e o gosto do freguês. E que, de tanto em tanto tempo, virava um mato só e era preciso esperar seu Fulano passar para dar um jeito, isso se coubesse no orçamento do mês.
Gosto de freqüentar e morar em casas assim, cheias dos disfarces, das histórias, dos objetos migrantes. Quadros, por exemplo, quando migram, são incríveis. Dão uma nova perspectiva a qualquer lugar. Instituem novos ângulos, novas vistas, novas belezas na vida de todo o dia.
Afinal vivemos em um mundo usado, e muito.
Existem lugares na minha cidade hoje em dia, que só reconheço por uma velha grade de bueiro, por paredes velhas descascando, ou por casa de gente antiga, que ou não liga mais para estas coisas, ou então não tem energia ou dinheiro para mexer nelas. Fazem-me bem. Saber que são usadas há muito tempo, que muitos passaram por ali. Gosto de lugares assim, com o chão gasto pelos passos, poltronas afundadas por horas de leitura agradável e quadros itinerantes.
Também eu pertenço ao universo dos usados. A casa da minha alma, meu corpo, traz as marcas e os arranhões da vida escritos em seu assoalho, mostrando, ao menos para mim, a minha vida que passou e vai passar. Bem mal usada, por vezes, esta casa que sou. Mas bem usada também, pois que já viu muita festa, já teve muitos visitantes e, embora sempre a pedir reparos como qualquer casa antiga que se preze, é organizada e agradavelmente usada naquilo que realmente importa.
Como disse, tenho preferëncia por casas e coisas com história. Usadas e ousadas.
18.11.10
Idade
Sergio Pinheiro Lopes
Não mudei,
Fiquei mais sereno apenas.
Nem bem verdade,
Nem bem mentira.
Na média.
Como as poesias,
Aquelas,
Que vêm perfeitas,
Mas à falta de papel e tinta,
Viram nuvens redesenhadas.
1822
Que delícia o livro "1822" do Laurentino Gomes!
Finalmente saber a história da independência brasileira; suas guerras, secessões, revoltas, perseguições, execuções, prisões e exílios.
Suas criações políticas, suas lutas, seus debates e embates, suas coincidências e acasos, suas origens e seus amálgamas de interesses, de raças e de credos.
Um livro escrito por um senhor historiador-jornalista-repórter, de leitura extremamente agradável e informativa.
O quadro de Pedro Américo, hoje no Museu do Ipiranga, além de ser um plágio notório, não retrata senão a história oficial, que aprendemos errada ou incompleta na escola e, quem diria, com o Tarcísio Meira em 1972.
Saber dos indizíveis horrores e de todo o sofrimento das Guerras da Independência pode nos fazer valorizar mais o que temos hoje e nos dar uma idéia melhor de nós mesmos.
Pois se este país improvável foi inventado a partir de 1822, continua, ainda mais, a ser inventado e reinventado nos dias de hoje, por todos que aqui estamos.
16.11.10
90 Dias com Mr. Catra
Rafael Mellin
Uma figura controversa e simpática do Rio de Janeiro.
14.11.10
Sakineh Ashtiani
Nenhuma notícia do Irã ainda.
Nem boa, nem má.
Aguardemos, pois pode ser um bom sinal.
Ou não, como diria Caetano.
11.11.10
Sakineh Ashtiani
Caros amigos,
Hoje, Sakineh Ashtiani poderá ser executada pelo Irã.
Nosso protesto mundial impediu que Sakineh fosse apedrejada injustamente em julho. Agora temos 12 horas para salvar a vida dela.
Os aliados do Irã e as principais autoridades da ONU são nossa maior esperança: eles podem convencer o Irã do sério custo político desse assassinato de uma figura com alta exposição na mídia. Clique no link acima para enviar a eles um pedido urgente de mobilização e encaminhar este e-mail à todo o mundo. Você só gastará três minutos. A última esperança de Sakineh somos nós. É só clicar no nome dela no cabeçalho e ajudar a salvá-la.
Virar membro da Avaaz também é boa idéia. A mobilização virtual de milhões de pessoas pode mudar o mundo para melhor. E já está mudando.
Este é o endereço:
http://avaaz.org/po/
P.S. Ah!, e foi esse pessoal que ajudou a aprovar o Projeto Ficha-Limpa aqui no Brasil.
9.11.10
Paul McCartney & John Lennon
Último verso, da última estrofe, da última música, da última faixa, do lado B do último disco dos Beatles.
"And in the end,
my friend,
the love you take,
is equal to
the love you make."
oooOOOooo
"E no fim,
meu amigo,
o amor que você leva,
é igual
ao amor que você deu."
Rio 40 Graus
Fernanda Abreu
rio 40 graus
cidade maravilha
purgatório da beleza e do caos
capital do sangue quente do Brasil
capital do sangue quente
do melhor e do pior do Brasil
cidade sangue quente
maravilha mutante
o rio é uma cidade de cidades misturadas
o rio é uma cidade de cidades camufladas
com governos misturados, camuflados, paralelos
sorrateiros ocultando comandos
comando de comando submundo oficial
comando de comando submundo bandidaço
comando de comando submundo classe média
comando de comando submundo camelô
comando de comando submáfia manicure
comando de comando submáfia de boate
comando de comando submundo de madame
comando de comando submundo da TV
submendo deputado - submáfia aposentado
submundo de papai - submáfia da mamãe
submundo da vovó - submáfia criancinha
submundo dos filhinhos
na cidade sangue quente
na cidade maravilha mutante
rio 40 graus...
quem é dono desse beco?
quem é dono dessa rua?
de quem é esse edifício?
de quem é esse lugar?
é meu esse lugar
sou carioca, pô
eu quero meu crachá
sou carioca
"canil veterinário é assaltado liberando
cachorrada doentia
atropelando na xinxa das esquinas
de macumba violenta
escopeta de sainha plissada
na xinxa das esquinas de macumba gigantesca
escopeta de shortinho de algodão"
cachorrada doentia do Joá
cachorrada doentia São Cristóvão
cachorrada doentia Bonsucesso
Cachorrada doentia Madureira
Cachorrada doentia da Rocinha
cachorrada doentia do Estácio
na cidade sangue quente
na cidade maravilha mutante
rio 40 graus...
a novidade cultural da garotada
favelada, suburbana, classe média marginal
é informática metralha
sub-azul equipadinha com cartucho musical
de batucada digital
meio batuque inovação de marcação
pra pagodeira curtição de falação
de batucada com cartucho sub-uzi
de batuque digital, metralhadora musical
de marcação invocação
pra gritaria de torcida da galera funk
de marcação invocação
pra gritaria de torcida da galera samba
de marcação invocação
pra gritaria de torcida da galera tiroteio
de gatilho digital
de sub-uzi equipadinha
com cartucho musical
de contrabando militar
da novidade cultural
da garotada da favelada suburbana
de shortinho e de chinelo
sem camisa carregando
sub-uzi e equipadinha
com cartucho musical
de batucada digital
na cidade sangue quente
na cidade maravilha mutante
rio 40 graus
cidade maravilha
purgatório da beleza e do caos
8.11.10
Caros Poetas
Sergio Pinheiro Lopes
O que podemos esperar? Bem sei que muitas sociedades e cidades passaram por essa violência e banditismo político e, certamente, muitas outras passarão. A Chicago dos anos 30, NY dos setenta, para não falar do Velho Oeste (lá deles) e o nosso Velho Norte e Nordeste, a Inglaterra de Francis Drake e por aí vai.
Se olharmos um pouco mais de cima, no entanto, veremos que todos os indicadores de qualidade de vida melhoraram ao redor do mundo nos últimos cem anos. É fato. Até os países mais miseráveis da África melhoraram seus indicadores de expectativa de vida e de mortes por mil nascimentos. Também esse estado de coisas há de passar por aqui. Sabemos que notícia, quase sempre, é notícia ruim. E isso nos assusta; introduz um viés no nosso olhar. Mas a intensa atividade vital das cidades, do campo e do país continua todo o tempo. A sociedade pensa em si mesma continuamente através de seus milhões de habitantes. Cada um contribuindo com seu pouquinho no seu cotidiano. O que falta é massa crítica para uma mudança visível na forma de cobrança de direitos através da organização da população. Mas ela virá. O Bolsa-Família do atual presidente é o equivalente ao Plano Real de seu antecessor. As pessoas votam com os estômagos e com os bolsos. Corrupção sempre houve, em todos os governos, e a população sabe disso instintivamente, pois convive com ela e dela participa, porque senão não toca a vida pra frente. Então se acomoda e aceita. 'Faz parte', ouve-se por aí. Mas as pessoas trabalham, estudam, têm valores, ambições e desejos que são irrealizáveis na atual condição da sociedade brasileira. No fundo não concordam com a corrupção e, quando tiverem o tempo, a educação e informação de boa qualidade (e vão acabar tendo, pois por isso já brigam), vão se mover para acabar com ela, colocá-la dentro de limites mais civilizados. Por isso as cidades e o país vão mudar, tenham certeza. Aos poucos, infelizmente, mas é assim com tudo na vida: um 'cadinho' por dia. Cabe a cada um de nós, no mínimo, comportarmos-nos como achamos que todos deveriam se comportar idealmente. Só isso já é muito difícil, mas por aí também começa alguma mudança. Sei que é a estória de que se cada chinês varresse a porta de sua casa, a China seria um país limpo. Mas é verdade. Além disso, e enquanto isso, a sociedade e seus milhões de anônimos se movimentam incessantemente.
Eppur si muove, caros poetas, eppur si muove, e o país é bem maior do que os presidentes, os governadores, os empresários, os políticos, e também, no meio deles, os corruptos todos e seus eventuais sucessores.
Eles passarão e o Brasil não.
As mudanças visíveis são epidérmicas, meus caros poetas, e a história é subcutânea.
Cálice
Chico Buarque
Multon Nascimento
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
5.11.10
O Muro Oeste
The West Wall
Sergio Pinheiro Lopes
Pacientemente,
Em seus domínios,
Reconstruindo
Dia por dia, pouco a pouco,
O muro Oeste de sua modesta
Catedral.
Arte-Fatos
Pessoais-Mentais.
oooOOOooo
Patiently,
In his domains,
Rebuilding
Day by day, little by little,
The West wall of his modest
Cathedral.
Personal-Mental
Art-Facts.
Calma Ebulição
Sergio Pinheiro Lopes
Meus ancestrais não tinham tostão.
Elite quando a elite era de inteligência e espírito e
Não de dobrões e escudos neste rincão.
Cresci filho da cizânia entre os papas e Lutero, comendo
Em uma mesa na qual não havia assunto que não fosse assunto.
Escola de livre pensar.
Agora, eis-me aqui,
Velho como quando achava velhos meus pais:
Cinqüenta e tantos.
Como a Terêncio,
Tudo que é humano me concerne.
É minha legítima herança e maldição.
Disso teço minhas teias, meus poemas e meus pensares.
Malgré alguns dias por baixo do carpete, no geral,
Adoro estar vivo, e cada casquinha da vida
Atrai meu olhar,
Fascina minha atenção,
Apaixona minha alma.
Gosto - e sou parcial - com gente inteligente.
Lavar burros, como diz meu irmão,
É desperdício de água e sabão.
Mas, ainda assim, ando mais gentil, mais paciente, mais
Disposto ao banquete que me apresenta o dia.
Com seus burros todos, seus toscos, seus pobres de espírito,
Os ignorantes e outros tantos.
Atualmente aprendo com tudo e com todos.
Deve ser a tal da serenidade que vem com o tempo. A
Calma ebulição.
Elite quando a elite era de inteligência e espírito e
Não de dobrões e escudos neste rincão.
Cresci filho da cizânia entre os papas e Lutero, comendo
Em uma mesa na qual não havia assunto que não fosse assunto.
Escola de livre pensar.
Agora, eis-me aqui,
Velho como quando achava velhos meus pais:
Cinqüenta e tantos.
Como a Terêncio,
Tudo que é humano me concerne.
É minha legítima herança e maldição.
Disso teço minhas teias, meus poemas e meus pensares.
Malgré alguns dias por baixo do carpete, no geral,
Adoro estar vivo, e cada casquinha da vida
Atrai meu olhar,
Fascina minha atenção,
Apaixona minha alma.
Gosto - e sou parcial - com gente inteligente.
Lavar burros, como diz meu irmão,
É desperdício de água e sabão.
Mas, ainda assim, ando mais gentil, mais paciente, mais
Disposto ao banquete que me apresenta o dia.
Com seus burros todos, seus toscos, seus pobres de espírito,
Os ignorantes e outros tantos.
Atualmente aprendo com tudo e com todos.
Deve ser a tal da serenidade que vem com o tempo. A
Calma ebulição.
Tudo
Sergio Pinheiro Lopes
Tudo o que um escritor quer é ser
Lido.
Tudo o que um músico quer é ser
Escutado.
Tudo o que um ator quer é ser
Visto.
Tudo o que um pintor quer é ser
Admirado.
Tudo o que um poeta quer é ter
Sentido.
Tudo o que uma pessoa quer é
Ser.
2.11.10
No Túmulo de Meu Pai
Sergio Pinheiro Lopes
Mais
Um ano se passou.
Terias noventa e quatro.
dezessete da sua
Morte.
Mudanças muitas desde aquele ano,
Daquele século.
Novas antenas,
Velhas antenas.
Novas bobagens,
Velhas bobagens.
Sua cartilha,
Inalterada.
O que eram
Verdades,
Verdades.
E as mentiras,
Mentiras.
House of the Rising Sun
Sinead O'Connor
There is a house in New Orleans,
they call The Rising Sun.
And it's been the ruin of manys a poor boy,
and God, I know I'm one.
My mother was a tailoress
she sewed my new blue jeans
an' my father was a gamblin' man
down in New Orleans.
Now the only thing a gambler needs
is a suitcase and a trunk.
And the only time that he's satisfied
is when he's down and drunk.
So mothers tell, tell your children
not to do what I have done
not to spend their lives in sin and misery
in the House of the Rising Sun.
I've got one foot on the platform
and another one on the train.
I'm going home to New Orleans
to wear that ball and chain.
There is a house in New Orleans,
they call The Rising Sun.
And it's been the ruin of manys a poor boy,
and God, I know I'm one.
poor, poor boy
poor, poor boy
poor, poor boy...